<\/a>A partir desta ter\u00e7a-feira (2\/4), quando a Emenda Constitucional 72\/13 for promulgada pelo presidente do Congresso Nacional, senador Renan Calheiros (PMDB-AL), os empregados dom\u00e9sticos passar\u00e3o a ter os mesmos direitos dos demais trabalhadores brasileiros, agora assegurados pela Constitui\u00e7\u00e3o.<\/p>\n

Para dezenas de senadores que discursaram no Plen\u00e1rio durante a vota\u00e7\u00e3o da\u00a0PEC 66\/2012<\/a>, na \u00faltima ter\u00e7a (26\/3), em segundo turno, a emenda \u00e9 a repara\u00e7\u00e3o de uma \u201cinjusti\u00e7a hist\u00f3rica” e o fim de um resqu\u00edcio escravagista. Assim tamb\u00e9m pensa a relatora da proposta, senadora L\u00eddice da Mata (PSB-BA), que, em entrevista \u00e0\u00a0Ag\u00eancia Senado,\u00a0<\/strong>disse acreditar numa mudan\u00e7a cultural na rela\u00e7\u00e3o entre empregados e patr\u00f5es.<\/p>\n

Para L\u00eddice, inicialmente, deve haver certo desconforto e muitas d\u00favidas, mas as partes “chegar\u00e3o a um consenso sobre a melhor forma de se adaptar \u00e0s mudan\u00e7as legais”.\u00a0A parlamentar n\u00e3o esconde a satisfa\u00e7\u00e3o de ter conseguido a aprova\u00e7\u00e3o da PEC em pouco tempo, no Senado, e rebate as cr\u00edticas de que a medida causar\u00e1 demiss\u00e3o em massa. “A aprova\u00e7\u00e3o desta PEC vem quitar uma antiga d\u00edvida\u00a0social que o Pa\u00eds tinha com mais de 7,7\u00a0milh\u00f5es de trabalhadores e trabalhadoras, retirando-os das rela\u00e7\u00f5es regidas pela servid\u00e3o”, afirma.<\/p>\n

Ag\u00eancia Senado – A PEC 66\/12 tramitou por mais de dois anos na C\u00e2mara e s\u00f3 tr\u00eas meses no Senado. A que a senhora atribui tal agilidade?<\/strong><\/p>\n

L\u00eddice da Mata \u2013<\/strong>\u00a0Atribuo esta agilidade a uma decis\u00e3o pol\u00edtica do Senado de corrigir essa distor\u00e7\u00e3o hist\u00f3rica. O Senado \u00e9 uma c\u00e2mara revisora e, se a PEC j\u00e1 havia sido debatida t\u00e3o profundamente, inclusive com a constitui\u00e7\u00e3o de uma comiss\u00e3o especial para analis\u00e1-la\u00a0na C\u00e2mara dos Deputados, n\u00e3o havia sentido que ficasse mais tempo no Senado. Os senadores comemoraram, com entusiasmo, o momento pol\u00edtico em que tomamos a decis\u00e3o de igualar os direitos dos empregados dom\u00e9sticos do Brasil ao demais trabalhadores. Um momento hist\u00f3rico, que o povo brasileiro vai reconhecer como um momento necess\u00e1rio para o pa\u00eds.<\/p>\n

Ag\u00eancia Senado –\u00a0<\/strong>Na tramita\u00e7\u00e3o da proposta no Senado, houve alguma dificuldade para aprovar seu relat\u00f3rio?<\/strong><\/p>\n

L\u00eddice da Mata \u2013\u00a0<\/strong>A tramita\u00e7\u00e3o foi tranquila, tanto na Comiss\u00e3o de Constitui\u00e7\u00e3o, Justi\u00e7a e Cidadania (CCJ), como nos dois turnos de vota\u00e7\u00e3o no Plen\u00e1rio. Os senadores foram un\u00e2nimes em defender que j\u00e1 estava mais do que na hora de garantir aos trabalhadores dom\u00e9sticos os mesmos direitos dos demais trabalhadores. Na CCJ, foram apresentadas duas emendas, uma pelo senador Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP) e outra pelo senador Paulo Bauer (PSDB-SC). Mesmo reconhecendo o m\u00e9rito nas sugest\u00f5es, decidimos pela rejei\u00e7\u00e3o de uma e pela apresenta\u00e7\u00e3o de outra como emenda de reda\u00e7\u00e3o, de modo a acelerar a vota\u00e7\u00e3o. Nosso objetivo foi aprovar a PEC da forma como veio da C\u00e2mara, evitando o retorno da mat\u00e9ria \u00e0quela Casa, o que atrasaria a sua promulga\u00e7\u00e3o. A emenda de reda\u00e7\u00e3o evitou que a licen\u00e7a maternidade passasse a depender de lei ordin\u00e1ria para ser concedida. J\u00e1 a emenda rejeitada estabelecia prazo de prescri\u00e7\u00e3o dos direitos trabalhistas das empregadas, ou seja, um prazo a partir do qual os direitos desrespeitados por patr\u00f5es n\u00e3o poderiam mais ser reclamados na Justi\u00e7a. Apesar de rejeitada na CCJ, j\u00e1 apresentamos projeto em separado para tratar dessa quest\u00e3o.<\/p>\n

Ag\u00eancia Senado –\u00a0<\/strong>A categoria das dom\u00e9sticas ajudou de alguma forma durante a tramita\u00e7\u00e3o da mat\u00e9ria?<\/strong><\/p>\n

L\u00eddice da Mata \u2013\u00a0<\/strong>Tivemos a contribui\u00e7\u00e3o de diversas entidades e sindicatos que representam a categoria, tanto enviando sugest\u00f5es, como participando de debates e audi\u00eancias p\u00fablicas. No segundo turno de vota\u00e7\u00e3o, s\u00f3 para citar um exemplo, a presidente da Federa\u00e7\u00e3o Nacional dos Trabalhadores Dom\u00e9sticos (Fenatrad),\u00a0Creuza Maria, teve a oportunidade de presenciar esse importante momento e foi homenageada, sendo convidada a participar da mesa. Mas \u00e9 preciso lembrar que a luta pela conquista dos direitos dos trabalhadores dom\u00e9sticos vem desde muito antes da PEC, que come\u00e7ou a tramitar na C\u00e2mara em 2010. Desde a Constituinte, diversas iniciativas marcaram o movimento das trabalhadoras dom\u00e9sticas Brasil afora, com apoio de outros movimentos, como os das mulheres, e de ag\u00eancias internacionais, entre elas a OIT, a Cepal e ONU Mulheres. O tema, inclusive, tornou-se pauta de trabalho do governo federal, envolvendo a Secretaria Especial de Pol\u00edticas para as Mulheres, a Secretaria de Pol\u00edticas de Promo\u00e7\u00e3o\u00a0da\u00a0Igualdade Racial e o Minist\u00e9rio do Trabalho e Emprego.<\/p>\n

Ag\u00eancia Senado –\u00a0<\/strong>O que significa essa conquista para os empregados dom\u00e9sticos?<\/strong><\/p>\n

L\u00eddice da Mata \u2013\u00a0<\/strong>Representa a conquista efetiva de direitos que j\u00e1 eram concedidos aos demais trabalhadores e, injustamente, n\u00e3o o eram aos trabalhadores dom\u00e9sticos. Na verdade, essa distor\u00e7\u00e3o remete ao per\u00edodo escravocrata, desde a coloniza\u00e7\u00e3o portuguesa, passando pelo Imp\u00e9rio, at\u00e9 a aboli\u00e7\u00e3o da escravatura dos negros. O emprego dom\u00e9stico vem dessa cultura, de pessoas, principalmente mulheres e negras, servindo aos seus senhores e senhoras, em troca de casa e comida, poucas vezes remuneradas e, quando o eram, com sal\u00e1rios baix\u00edssimos. Esse comportamento se estendeu (e ainda hoje \u00e9 assim) com mulheres se deslocando, principalmente do Norte e Nordeste do pa\u00eds, para trabalhar em outras regi\u00f5es, como dom\u00e9sticas, em busca de melhores condi\u00e7\u00f5es de vida. Em 1943, a Consolida\u00e7\u00e3o das Leis do Trabalho (CLT) excluiu os trabalhadores dom\u00e9sticos na defini\u00e7\u00e3o dos direitos trabalhistas. Em 1972, a Lei 5.859 regulamentou a profiss\u00e3o de empregado dom\u00e9stico e formalizou alguns poucos direitos, como o contrato de emprego dom\u00e9stico, por meio da anota\u00e7\u00e3o em carteira de trabalho. Os avan\u00e7os come\u00e7aram a surgir com a Constitui\u00e7\u00e3o de 1988 que, em seu artigo 7\u00ba, assegurou a esses trabalhadores apenas nove dos direitos assistidos aos demais [sal\u00e1rio m\u00ednimo, irredutibilidade do sal\u00e1rio, 13\u00ba sal\u00e1rio, repouso semanal remunerado, f\u00e9rias anuais, licen\u00e7a gestante, licen\u00e7a paternidade, aviso pr\u00e9vio proporcional e aposentadoria], al\u00e9m de sua integra\u00e7\u00e3o \u00e0 Previd\u00eancia Social. Agora, os trabalhadores dom\u00e9sticos passam a ter assegurados 25 direitos. Assim, a aprova\u00e7\u00e3o desta PEC e sua promulga\u00e7\u00e3o como emenda constitucional vem quitar uma antiga d\u00edvida\u00a0social que o pa\u00eds tinha com mais de 7,7\u00a0milh\u00f5es de trabalhadores e trabalhadoras, retirando-os das rela\u00e7\u00f5es de trabalho regidas pela servid\u00e3o.<\/p>\n

Ag\u00eancia Senado –\u00a0<\/strong>A senhora acredita que os direitos previstos na PEC ser\u00e3o respeitados pelos patr\u00f5es?<\/strong><\/p>\n

L\u00eddice da Mata \u2013\u00a0<\/strong>Agora \u00e9 lei. \u00c9 constitucional. No come\u00e7o, poder\u00e1 ocorrer certo desconforto e surgir\u00e3o d\u00favidas. Mas tenho certeza que patr\u00f5es e empregados chegar\u00e3o a um consenso sobre a melhor forma de se adaptar \u00e0s mudan\u00e7as legais.<\/p>\n

Ag\u00eancia Senado –\u00a0<\/strong>Uma lei pode mudar um padr\u00e3o cultural e de comportamento que dura d\u00e9cadas?<\/strong><\/p>\n

L\u00eddice da Mata \u2013\u00a0<\/strong>Acredito que haver\u00e1, sim, uma profunda mudan\u00e7a cultural, comportamental e do pr\u00f3prio mercado de trabalho dom\u00e9stico. Essa j\u00e1 \u00e9 uma tend\u00eancia mundial. A exist\u00eancia do trabalho dom\u00e9stico na forma como ainda existe no Brasil \u00e9 praticamente \u00fanica em todo o mundo.<\/p>\n

Ag\u00eancia Senado –\u00a0<\/strong>Como a senhora encara as cr\u00edticas \u00e0 PEC, por exemplo, a de que haver\u00e1 desemprego para a categoria?<\/strong><\/p>\n

L\u00eddice da Mata \u2013\u00a0<\/strong>Toda vez que se aprova um novo direito para o trabalhador no pa\u00eds, os argumentos s\u00e3o os mesmos: que vai haver desemprego ou que vamos enfrentar o caos no mercado de trabalho. Foi assim, por exemplo, quando na Constituinte discutimos o direito de as trabalhadoras terem 120 dias de licen\u00e7a maternidade. \u00c0quela altura, diziam os empres\u00e1rios que se movimentavam do Brasil inteiro para vir \u00e0 Bras\u00edlia convencer os constituintes, que nenhuma mulher trabalharia mais e que seria imposs\u00edvel incorpor\u00e1-la (a mulher) ao mercado de trabalho. Vinte e cinco anos depois, temos mais do que o dobro de mulheres no mercado de trabalho. Desde a Constituinte de 1988, a mulher s\u00f3 aumentou sua participa\u00e7\u00e3o no mercado e o empregado dom\u00e9stico continua provando que o mercado precisa dele. Gostaria de tranquilizar as pessoas. N\u00e3o acredito que v\u00e1 haver nenhum transtorno maior, nenhum caos, com a aprova\u00e7\u00e3o dessas medidas. \u00c9 preciso haver, acima de tudo, compreens\u00e3o. Muitos dos direitos que n\u00e3o estavam formalizados, j\u00e1 s\u00e3o at\u00e9 pr\u00e1ticas de conviv\u00eancia. A jornada de trabalho de 8 horas por dia \u00e9 um direito dos trabalhadores em qualquer lugar do mundo. Patr\u00f5es e empregados, juntamente com os sindicatos, v\u00e3o encontrar as melhores formas de se adotar modelos de contratos de trabalho que sejam bons para todas as partes. Pode haver, inicialmente, algum movimento de demiss\u00f5es, mas ser\u00e1 moment\u00e2neo. O que vai determinar essa movimenta\u00e7\u00e3o \u00e9 a demanda e a oferta do trabalho. Na verdade, hoje j\u00e1 existe uma grande dificuldade de se achar pessoas para exercer o trabalho dom\u00e9stico, porque ningu\u00e9m mais quer ser empregado dom\u00e9stico sem ter efetivado seu direito ao Fundo de Garantia, ao seguro desemprego. A m\u00e3o de obra est\u00e1 migrando para outras \u00e1reas. Quanto \u00e0 informalidade, que muitos dizem que v\u00e1 aumentar, lembro que, infelizmente, o mercado de trabalho dom\u00e9stico j\u00e1 \u00e9 bastante informal: segundo o Minist\u00e9rio do Trabalho, s\u00e3o mais de 7 milh\u00f5es de trabalhadores dom\u00e9sticos, dos quais apenas um milh\u00e3o t\u00eam carteira assinada.<\/p>\n

Ag\u00eancia Senado –\u00a0<\/strong>Outra cr\u00edtica diz respeito a uma poss\u00edvel multiplica\u00e7\u00e3o das a\u00e7\u00f5es judiciais. A senhora acha que isso de fato acontecer\u00e1?<\/strong><\/p>\n

L\u00eddice da Mata \u2013\u00a0<\/strong>Em princ\u00edpio, n\u00e3o vejo raz\u00f5es para isso, principalmente se houver uma campanha de esclarecimento da popula\u00e7\u00e3o sobre as novas regras, por parte do governo. Por enquanto, falar em aumento de a\u00e7\u00f5es trabalhistas \u00e9 um exerc\u00edcio de futurologia.<\/p>\n

Ag\u00eancia Senado –\u00a0<\/strong>Acredita que, no futuro, os encargos maiores levar\u00e3o ao fim da profiss\u00e3o?<\/strong><\/p>\n

L\u00eddice da Mata \u2013\u00a0<\/strong>Como j\u00e1 disse, o trabalho dom\u00e9stico do jeito que existe no Brasil \u00e9 praticamente \u00fanico no mundo. O empregado dom\u00e9stico na vida da fam\u00edlia brasileira \u00e9 algo muito presente e n\u00e3o \u00e9 dif\u00edcil imaginar que, neste momento, ocorra uma grande expectativa de toda a popula\u00e7\u00e3o e muitas interroga\u00e7\u00f5es. Mas, com o tempo, isso vai se acalmando, se ajustando. Acredito que vamos caminhar para uma regulamenta\u00e7\u00e3o maior da profiss\u00e3o e, principalmente, para uma conviv\u00eancia melhor entre empregado e empregador. A partir de agora vamos ter pessoas se qualificando para o emprego dom\u00e9stico e pessoas mais qualificadas no mercado de trabalho tamb\u00e9m para exercer outras tarefas.<\/p>\n

Ag\u00eancia Senado –\u00a0<\/strong>Essa conquista da categoria chegou tarde demais?<\/strong><\/p>\n

L\u00eddice da Mata \u2013\u00a0<\/strong>Como disse anteriormente, trata-se de uma injusti\u00e7a social antiga, dos tempos da escravid\u00e3o, cujo movimento pela conquista de direitos teve in\u00edcio em 1936, com Laudelina Campos Melo, fundando a primeira associa\u00e7\u00e3o da categoria, e que ganhou mais for\u00e7a a partir da Constituinte. Essa conquista demorou, teve seu tempo de matura\u00e7\u00e3o pol\u00edtica e social, mas chegou.<\/p>\n

Ag\u00eancia Senado –\u00a0<\/strong>Destes novos direitos previstos, a senhora acha que existe algum que seja mais importante?<\/strong><\/p>\n

L\u00eddice da Mata \u2013\u00a0<\/strong>A jornada de 44 horas semanais, com oito horas di\u00e1rias, \u00e9 um direito central, assim como a proibi\u00e7\u00e3o do trabalho infantil. Esse item, especificamente, \u00e9 extremamente importante. N\u00e3o \u00e9 poss\u00edvel termos emprego dom\u00e9stico para crian\u00e7as e jovens com 14 ou 16 anos de idade. Agora fica terminantemente proibido o trabalho dom\u00e9stico para esta faixa et\u00e1ria.<\/p>\n

Ag\u00eancia Senado<\/a><\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"

A partir desta ter\u00e7a-feira (2\/4), quando a Emenda Constitucional 72\/13 for promulgada pelo presidente do Congresso Nacional, senador Renan Calheiros (PMDB-AL), os empregados dom\u00e9sticos passar\u00e3o a ter os mesmos direitos…<\/p>\n","protected":false},"author":13,"featured_media":0,"comment_status":"open","ping_status":"open","sticky":false,"template":"","format":"standard","meta":{"footnotes":""},"categories":[1],"tags":[],"yoast_head":"\n