Decorrido um m\u00eas da realiza\u00e7\u00e3o do 8\u00ba F\u00f3rum Mundial da \u00c1gua, evento mundial realizado em Bras\u00edlia e que reuniu cerca de 120 mil pessoas, incluindo 10.500 congressistas de 172 pa\u00edses, quero fazer uma an\u00e1lise dos pontos abordados sob o tema central \u201cCompartilhando \u00c1gua\u201d. Tais temas abordam a crise h\u00eddrica no Brasil; o financiamento da infraestrutura para \u00e1gua; e a disponibilidade de \u00e1gua para a produ\u00e7\u00e3o de alimentos e para a agricultura.\u00a0Nesta edi\u00e7\u00e3o do F\u00f3rum, ocorreram dois eventos que considerei de grande import\u00e2ncia: foram encontros do processo pol\u00edtico \u2013 um envolvendo parlamentares e outro envolvendo membros do Poder Judici\u00e1rio.<\/p>\n
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O Subprocesso Parlamentar, coordenado pelo Senador Jorge Viana (AC), teve a participa\u00e7\u00e3o de 134 representantes de 24 pa\u00edses. Naquele evento, foi aprovado o \u201cManifesto dos Parlamentares\u201d onde n\u00f3s, legisladores, nos comprometemos a priorizar a\u00e7\u00f5es que contemplem \u201co direito humano \u00e0 \u00e1gua e ao saneamento\u201d. Mas, para a efetiva\u00e7\u00e3o deste princ\u00edpio, precisam ser considerados:<\/p>\n
a)\u00a0<\/strong>a seguran\u00e7a h\u00eddrica e o saneamento como prioridades na aloca\u00e7\u00e3o de recursos, or\u00e7ament\u00e1rios e n\u00e3o or\u00e7ament\u00e1rios, nacionais e internacionais, destinados a pa\u00edses com dificuldades no acesso \u00e0 \u00e1gua pot\u00e1vel e ao saneamento;<\/p>\nb)\u00a0<\/strong>assegurar a governan\u00e7a h\u00eddrica, o usufruto do direito humano \u00e0 \u00e1gua pot\u00e1vel e ao saneamento, al\u00e9m de trabalhar para a implementa\u00e7\u00e3o e fiscaliza\u00e7\u00e3o de pol\u00edticas p\u00fablicas que aprimorem o uso racional da \u00e1gua, a efici\u00eancia h\u00eddrica nos processos produtivos e a pesquisa e inova\u00e7\u00e3o nas \u00e1reas de \u00e1gua e saneamento;<\/p>\nc)\u00a0<\/strong>defender o desenvolvimento sustent\u00e1vel, com uso de \u00e1gua eficiente e equitativo, minimizando desperd\u00edcios e impactos negativos \u00e0s \u00e1guas superficiais e subterr\u00e2neas.<\/p>\nd)\u00a0<\/strong>assegurar a progressiva elimina\u00e7\u00e3o das desigualdades no cumprimento dos direitos humanos \u00e0 \u00e1gua e saneamento, garantido prioridade na aloca\u00e7\u00e3o de recursos direcionados para as popula\u00e7\u00f5es mais vulner\u00e1veis;<\/p>\ne)\u00a0<\/strong>assegurar o debate nos Parlamentos para que o direito humano \u00e0 \u00e1gua pot\u00e1vel e ao saneamento seja inclu\u00eddo na legisla\u00e7\u00e3o nacional, na Constitui\u00e7\u00e3o ou em norma infraconstitucional.<\/p>\nOs aspectos relacionados \u00e0 \u00e1gua como um direito humano e n\u00e3o como\u00a0commodities<\/em>\u00a0e mercadoria, foram, sem d\u00favida, o ponto em comum em todas as discuss\u00f5es do F\u00f3rum. Foi consenso tanto no encontro dos parlamentares, como no de juristas e tamb\u00e9m na confer\u00eancia ministerial.<\/p>\nO F\u00f3rum se constituiu em importante momento para se debater alternativas cab\u00edveis para a solu\u00e7\u00e3o dos problemas relacionados aos recursos h\u00eddricos, e, tamb\u00e9m, foi uma oportunidade \u00fanica para se empreender uma rica discuss\u00e3o envolvendo toda sociedade nesses debates de forma mais efetiva.<\/p>\n
\u00c9 imprescind\u00edvel o engajamento do Poder Legislativo brasileiro nas dimens\u00f5es pol\u00edticas da seguran\u00e7a h\u00eddrica, da adapta\u00e7\u00e3o aos efeitos da mudan\u00e7a do clima e da sustentabilidade do desenvolvimento, tendo como eixo a quest\u00e3o da \u00e1gua, assim como a inclus\u00e3o no debate do direito humano \u00e0 \u00e1gua e ao saneamento, este \u00faltimo principalmente em regi\u00f5es mais pobres como o semi\u00e1rido nordestino.<\/p>\n
Segundo relat\u00f3rios publicados pela ONU, a escassez de \u00e1gua afeta 40% da popula\u00e7\u00e3o global, provocando doen\u00e7as de veicula\u00e7\u00e3o h\u00eddrica, como diarreias, que respondem por aproximadamente 2,2 milh\u00f5es de mortes a cada ano.\u00a0 Ainda segundo os dados da organiza\u00e7\u00e3o, o aumento da temperatura global e as altera\u00e7\u00f5es no padr\u00e3o de chuvas devem reduzir a produ\u00e7\u00e3o agr\u00edcola em muitos pa\u00edses em desenvolvimento localizados em regi\u00f5es tropicais.<\/p>\n
Os relat\u00f3rios apontam que, at\u00e9 2025, 1,8 bilh\u00e3o de pessoas estar\u00e3o vivendo em regi\u00f5es ou pa\u00edses com grave escassez h\u00eddrica; e que, at\u00e9 2030, a escassez de \u00e1gua em regi\u00f5es \u00e1ridas e semi\u00e1ridas poder\u00e1 for\u00e7ar a migra\u00e7\u00e3o de at\u00e9 700 milh\u00f5es de pessoas.<\/p>\n
Esta realidade das migra\u00e7\u00f5es por conta da escassez de \u00e1gua j\u00e1 foi, at\u00e9 bem pouco tempo, uma triste realidade para todos os nordestinos. Quem n\u00e3o se recorda dos paus-de-arara migrando para o eixo Rio-S\u00e3o Paulo \u00e0 procura de oportunidade de trabalho ou das enormes filas de homens, mulheres e crian\u00e7as nas portas de prefeituras do interior em busca de cesta de alimentos?<\/p>\n
Muitas foram as solu\u00e7\u00f5es pensadas e relatadas desde o Imp\u00e9rio, quando D. Pedro II disse que \u201cvenderia at\u00e9 a \u00faltima joia da coroa para acabar com o flagelo das pessoas no interior do Nordeste. E mais recentemente, na d\u00e9cada de 1980, o Presidente General Figueiredo disse que \u201cS\u00f3 restava rezar para chover\u201d.<\/p>\n
Eis, ent\u00e3o, um fato a destacar: tivemos seis anos consecutivos de severa seca no semi\u00e1rido nordestino. Os desafios foram e ainda s\u00e3o muitos, principalmente quanto \u00e0 desestrutura\u00e7\u00e3o de toda a cadeia produtiva, cidades em colapso de \u00e1gua, com s\u00e9rios impactos econ\u00f4micos e sociais. Ainda assim, n\u00e3o tivemos nenhum saque recente nestas cidades. E, no entanto, quem n\u00e3o se lembra dos in\u00fameros saques aos armaz\u00e9ns p\u00fablicos nas secas do Nordeste antigamente?<\/p>\n
Para que isso n\u00e3o mais acontecesse, foi preciso n\u00e3o mais vender a joia da coroa, nem mandar o sertanejo rezar. Foi preciso, sim, a coragem e a sensibilidade do Presidente Lula, que passou a pensar em uma solu\u00e7\u00e3o para o Nordeste que contemplasse pol\u00edticas p\u00fablicas estruturantes, como os programas de transfer\u00eancia de renda (Bolsa Fam\u00edlia) e a cria\u00e7\u00e3o de outros mecanismos de aux\u00edlio, como o seguro-safra, seguro-defeso e a aposentadoria rural, inexistentes ou incipientes no s\u00e9culo passado. Esses programas fazem com que hoje ningu\u00e9m mais morra de fome no sert\u00e3o, mesmo em meio \u00e0s severas estiagens e \u00e0 perda de produ\u00e7\u00e3o dos sertanejos.<\/p>\n
Apesar destas importantes pol\u00edticas p\u00fablicas, ainda necessitamos de uma estrat\u00e9gia estatal que contemple planejamento para resolver a situa\u00e7\u00e3o das crises h\u00eddricas nas cidades. As mais recentes, enfrentadas por um n\u00famero significativo de unidades da Federa\u00e7\u00e3o, revelam um quadro extremamente grave e imp\u00f5em a todos \u2013 governo, sociedade civil, setor produtivo e classe pol\u00edtica \u2013 o dever de promover esfor\u00e7os imediatos e intensivos para tornar as popula\u00e7\u00f5es menos vulner\u00e1veis aos flagelos provocados pelo desabastecimento de \u00e1gua.<\/p>\n
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O ano de 2014 trouxe uma estiagem severa na regi\u00e3o Sudeste, com forte impacto nas vaz\u00f5es de diversos rios dos estados de Minas Gerais, S\u00e3o Paulo e Rio de Janeiro. Essa condi\u00e7\u00e3o natural, aliada a uma ineficiente gest\u00e3o h\u00eddrica, levou o Estado de S\u00e3o Paulo a enfrentar uma redu\u00e7\u00e3o da oferta de \u00e1gua, particularmente na regi\u00e3o metropolitana.<\/p>\n
J\u00e1 o ano de 2016, foi de seco a extremamente seco em grande parte do pa\u00eds, com redu\u00e7\u00e3o de 13% em m\u00e9dia na precipita\u00e7\u00e3o de chuvas. Secas severas foram observadas no sudeste do Par\u00e1, no sul do Maranh\u00e3o, no sudeste do Tocantins e, mais recentemente, no Distrito Federal.<\/p>\n
Como reflexo de quase sete anos consecutivos de seca, em dezembro de 2017 a maioria dos a\u00e7udes que fornecem \u00e1gua para abastecimento p\u00fablico encontrava-se seco e o volume de \u00e1gua correspondia a 11,5% da capacidade total de armazenamento em toda a regi\u00e3o do semi\u00e1rido nordestino. As estiagens longas causam sofrimento a milh\u00f5es de brasileiros da regi\u00e3o Nordeste, pois diminuem perigosamente o volume de \u00e1gua nos reservat\u00f3rios.<\/p>\n
No segundo semestre do ano passado, a Bahia enfrentou a pior seca dos \u00faltimos 100 anos. No meu querido Estado, foram 227 munic\u00edpios em situa\u00e7\u00e3o de emerg\u00eancia, mais da metade do total. A Defesa Civil calcula terem sido afetados pela seca cerca de cinco milh\u00f5es de baianos.<\/p>\n
N\u00fameros como esses evidenciam que h\u00e1 que se discutir, sim, as solu\u00e7\u00f5es que promovem o compartilhamento da \u00e1gua, como, por exemplo, os projetos voltados para a garantia da seguran\u00e7a h\u00eddrica no semi\u00e1rido nordestino; bem como a urgente revitaliza\u00e7\u00e3o da bacia do rio S\u00e3o Francisco.<\/p>\n
No entanto, no dia da abertura oficial do 8\u00ba F\u00f3rum Mundial da \u00c1gua, diante de in\u00fameros chefes de Estado, o Presidente Michel Temer defendeu a necessidade de se fazer chegar \u00e1gua ao nordeste setentrional a partir do projeto de Transposi\u00e7\u00e3o do Rio S\u00e3o Francisco, e a efetiva\u00e7\u00e3o da preserva\u00e7\u00e3o desta bacia com o projeto Novo Velho Chico.<\/p>\n
E ent\u00e3o eu questiono: diante de autoridades mundiais, o Presidente Michel Temer fala no projeto da Revitaliza\u00e7\u00e3o como prioridade, mas dois dias depois,\u00a0 em audi\u00eancia p\u00fablica na Comiss\u00e3o de Desenvolvimento Regional e Turismo do Senado, o ministro da Integra\u00e7\u00e3o Nacional declarou que faltam recursos financeiros para a implementa\u00e7\u00e3o deste projeto que julgo de maior import\u00e2ncia, pois, sem ele, a transposi\u00e7\u00e3o em pouco tempo virar\u00e1 apenas uma grande obra e n\u00e3o ter\u00e1 como transpor nenhuma gota d\u00b4\u00e1gua sequer. Este \u00e9 um contrassenso sem tamanho, como tantos que o atual governo vem impondo \u00e0 sociedade brasileira.<\/p>\n
Cabe a n\u00f3s, parlamentares, fazermos com que essa garantia venha por meio de proposi\u00e7\u00f5es legislativas, ou seja, por interm\u00e9dio da constru\u00e7\u00e3o de marcos legais s\u00f3lidos e democr\u00e1ticos; e tamb\u00e9m mediante emendas \u00e0s leis or\u00e7ament\u00e1rias, visando \u00e0s necess\u00e1rias garantias para a execu\u00e7\u00e3o de obras de saneamento b\u00e1sico, para a constru\u00e7\u00e3o de reservat\u00f3rios e para programas de revitaliza\u00e7\u00e3o de bacias hidrogr\u00e1ficas. Assim, como consequ\u00eancia, teremos maior controle das pol\u00edticas p\u00fablicas e poderemos avaliar a efetividade das j\u00e1 implementadas pelo Poder Executivo, com o objetivo de monitor\u00e1-las e melhor\u00e1-las.<\/p>\n
Dentro desse contexto, apresentei o Projeto de Lei do Senado PLS n\u00b0 65, de 2017, que inclui a seguran\u00e7a h\u00eddrica no \u00e2mbito da Pol\u00edtica Nacional de Recursos H\u00eddricos (PNRH) e exige a elabora\u00e7\u00e3o de Planos de Seguran\u00e7a H\u00eddrica nacional e estaduais, com horizonte de planejamento de duas d\u00e9cadas e revis\u00e3o a cada cinco anos. S\u00f3 que para viabilizarmos pol\u00edticas assim \u00e9 preciso prover recursos financeiros para garantir \u00e1gua no futuro, j\u00e1 que a atual pol\u00edtica n\u00e3o se sustenta em bases conceituais s\u00f3lidas no que se refere \u00e0 seguran\u00e7a h\u00eddrica.<\/p>\n
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13\/04\/2018 – Senadora L\u00eddice da Mata, artigo publicado originalmente no site Congresso em Foco\u00a0<\/a><\/em><\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"Decorrido um m\u00eas da realiza\u00e7\u00e3o do 8\u00ba F\u00f3rum Mundial da \u00c1gua, evento mundial realizado em Bras\u00edlia e que reuniu cerca de 120 mil pessoas, incluindo 10.500 congressistas de 172 pa\u00edses,…<\/p>\n","protected":false},"author":5,"featured_media":6843,"comment_status":"open","ping_status":"open","sticky":false,"template":"","format":"standard","meta":{"footnotes":""},"categories":[1],"tags":[64,69,133,120,21,65,68,67,51],"yoast_head":"\n
Artigo: F\u00f3rum Mundial da \u00c1gua - Recursos para garantir o direito \u00e0 \u00e1gua e ao saneamento - L\u00eddice<\/title>\n \n \n \n \n \n \n \n \n \n \n \n \n\t \n\t \n\t \n \n \n \n \n \n\t \n\t \n\t \n