Em carta, a senadora Lídice da Mata (PSB-BA) cobrou uma “atenção especial” da ministra da Cultura, Ana de Hollanda, para “estudar os instrumentos legais, sem entraves burocráticos”, para adquirir o arquivo do poeta João Cabral de Melo Neto (1920-1999) e “abri-lo, generosamente, aos pesquisadores brasileiros e internacionais”.
Com a proximidade do leilão da correspondência de João Cabral com Manuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade e Vinicius de Moraes, no Rio de Janeiro, a senadora pede empenho para evitar a dispersão do acervo: “Não é preciso especular tanto para supor que fragmentos relevantes da nossa literatura podem ser lançados ao olvido, num momento em que o País procura trazer à luz documentos de sua história. Dessa forma, o governo reconhecerá, uma vez mais, a importância do poeta de ‘Morte e Vida Severina’ para a memória nacional”, conclui Lídice da Mata.
O 56º Leilão da Babel Livros ocorrerá em 10 e 11 de agosto, no Rio de Janeiro. Os lotes incluem bilhetes dos catalães Joan Miró, Joan Brossa, Antoni Tàpies e Modest Cuixart. A família de João Cabral decidiu se desfazer dos documentos do poeta e diplomata.
Confira a íntegra da carta da senadora Lídice da Mata.
“Brasília, 08 de agosto de 2012
Senhora ministra,
A proximidade do leilão da correspondência do poeta e diplomata João Cabral de Melo Neto com Manuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade e Vinicius de Moraes, expoentes da poesia em língua portuguesa, demanda uma atenção especial do Ministério da Cultura e dos órgãos de preservação a ele vinculados. O 56º Leilão da Babel Livros vai acontecer em 10 e 11 de agosto, no Rio de Janeiro, e, além de cartas, estão à venda bilhetes dos artistas catalães Joan Miró, Joan Brossa, Antoni Tàpies e Modest Cuixart. Uma preciosa amostra das amizades intelectuais de Cabral.
É inegável o valor desse acervo para a história literária brasileira, como atestam os homens de letras Antonio Candido, Lêdo Ivo e Humberto Werneck.
Reportagens da revista eletrônica “Terra Magazine” e do jornal “O Estado de S.Paulo” nos atentam para o risco de dispersão das cartas (vendidas em lotes separados) e do fechamento dos manuscritos em coleções privadas, sem acesso público. Não é preciso especular tanto para supor que fragmentos relevantes da nossa literatura podem ser lançados ao olvido, num momento em que o País procura trazer à luz documentos de sua história.
Em crônica no jornal “O Estado de S.Paulo” (05/08/2012), o jornalista e escritor Humberto Werneck opinou sobre a ameaça ao acervo cabralino: “Se me permitem um breve editorial em plena crônica, direi que considero um escândalo a obtusa naturalidade de quem, numa faxina em casa, se livra assim de documentos preciosos da nossa vida literária. Escandaloso também que, divulgada a notícia do leilão, não tenha havido uma corrida de instituições públicas das quais se espera empenho em preservar tamanhos tesouros, salvando-os, mais que da poeira, da insensibilidade de quem os vê como descartáveis papéis velhos.”
Sabe-se que a Fundação Casa de Rui Barbosa já abriga parcela significativa dos acervos de Manuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade, Manuel Bandeira e Vinicius de Moares, além de grandes escritores brasileiros como Clarice Lispector. Com a paixão de Vinicius e a exatidão seca de Cabral, o Ministério da Cultura poderia efetuar negociações com a família para retirar os lotes do leilão e estudar os instrumentos legais, sem entraves burocráticos, para adquirir esse arquivo e abri-lo, generosamente, aos pesquisadores brasileiros e internacionais. Dessa forma, o governo reconhecerá, uma vez mais, a importância do poeta de “Morte e Vida Severina” para a memória nacional.
Como diz João Cabral em “O poema”:
“O papel nem sempre
é branco como
a primeira manhã.
É muitas vezes
o triste e pobre
papel de embrulho;
é de outras vezes
de carta aérea,
leve de nuvem.
Mas é no papel,
no branco asséptico,
que o verso rebenta.
Como um ser vivo
pode brotar
de um chão mineral?”
Atenciosamente,
Lídice da Mata
Senadora da República”