Em análise no Senado desde julho, a proposta de reforma do Código Penal (PLS 236/2012) traz propostas polêmicas, que dividem as opiniões da população. Em agosto, o primeiro mês de tramitação do projeto, 6,8 mil pessoas procuraram o Alô Senado para se manifestar sobre os assuntos na pauta da comissão, composta por 11 senadores titulares e 11 suplentes, que analisa o texto proposto por juristas.
A opinião popular também se manifestou em pesquisa do DataSenado, que ouviu 1.232 pessoas em 119 municípios durante o mês de setembro. De uma maneira geral, os entrevistados exigem maior rigor na punição de crimes, e apresentam uma tendência conservadora em relação a temas como aborto, ortotanásia e liberação de drogas ilícitas.
Da mesma maneira que os entrevistados, os próprios senadores que compõe a comissão da reforma divergem ou convergem para os temas. Veja abaixo as opiniões de alguns deles acerca dos resultados da pesquisa.
Aborto – Uma das propostas mais polêmicas do PLS 236/2012 é a ampliação das hipóteses de aborto legal. Entre os ouvidos pelo DataSenado, 82% manifestaram-se contra a descriminalização da prática quando realizada por livre escolha, sem que a gestação seja fruto de estupro ou implique risco à vida da mãe.
O presidente da comissão da reforma, senador Eunício Oliveira (PMDB-CE), prevê que o tratamento do tema não deve sofrer grandes mudanças, embora ressalte que o debate ainda está em andamento. “As mudanças são improváveis. O Congresso deve levar em conta as decisões do STF sobre o tema”, destacou Eunício, referindo-se a julgamento recente em que o Supremo decidiu que o aborto de anencéfalos não é crime.
A questão do aborto é crucial para o senador Magno Malta (PR-ES), que integra a Frente Parlamentar da Família. Para ele, a rejeição ao aborto por opção da mãe, apontada na pesquisa do DataSenado, traduz os anseios da família brasileira. “A mulher que aborta porque quer mata porque quer matar. Ela atenta contra a natureza de Deus, uma vez que a concepção da vida pertence a ele”, argumenta.
A senadora Lídice da Mata (PSB-BA), por sua vez, prefere destacar a necessidade de informar, prevenir e auxiliar as mulheres, e não apontá-las como criminosas. Ela lembra que milhares de mulheres morrem todos os anos no Brasil devido a abortos mal realizados. “Se uma pesquisa me pergunta, eu também digo que sou contra o aborto. Nenhuma mulher faz aborto por diversão, mas por desespero, por falta de acesso a métodos anticoncepcionais, por falta de condições de criar um filho. Cinco milhões de brasileiras já fizeram aborto, vamos colocar 5 milhões de mulheres na cadeia? Não!”.
Descriminalização das drogas – Muito senadores que integram a comissão do Código Penal também são contrários à liberação do porte de pequena quantidade de drogas para uso próprio – posição manifestada por 89% dos entrevistados pelo DataSenado. Para o senador Jorge Viana (PT-AC), não é com a descriminalização das drogas que serão resolvidos os problemas do tráfico e das vidas destruídas com o vício do ‘crack’, por exemplo. “Prefiro manter a legislação atual”, afirmou.
Opinião semelhante tem o senador Eunício: “A liberação das drogas, mesmo que apenas a maconha, não vai contribuir em nada para o bem estar da sociedade brasileira. Não devemos mudar a legislação atual”.
Também preocupada com o ‘crack’, Lídice da Mata ressalta ainda a necessidade de regular as drogas lícitas, como o álcool. Para ela, os meios de comunicação expõem o ‘crack’ como grande vilão, mas deixam de lado o combate às bebidas alcoólicas, igualmente responsáveis por violência e mortes.
Magno Malta diz estar feliz com o “não” dado pelos entrevistados à liberação das drogas – uma das bandeiras mais marcantes do seu mandato. “Vejo com felicidade o coro que a sociedade faz em benefício dela mesma”.
Pena máxima e trabalho para reduzir pena – Magno Malta também defende o trabalho dos presos durante o cumprimento das penas, outro ponto destacado na pesquisa do DataSenado. Para ele, que admite a redução da pena pelo trabalho, custa muito caro o estado manter os presos “enquanto eles só ficam organizando novos crimes pelo aparelho celular”. “Tem de dar trabalho de dia para eles ficarem cansados de noite e irem dormir”.
Já Jorge Viana diz ser preciso aumentar as penas no novo Código, mas observa que a ampliação do tempo máximo de prisão precisa ser estudado com cautela. Na pesquisa do DataSenado, três de cada quatro entrevistados defenderam a elevação do limite, atualmente de 30 anos.
Para Lídice da Mata, no entanto, o aumento do limite é uma “grande ilusão”. “A sociedade está cansada de ver tanta impunidade e acredita que aumentar o tempo máximo de reclusão diminuirá a criminalidade. Mas isso não resolverá a questão. É uma ilusão, precisamos enfrentar as causas da violência, precisamos debater com mais profundidade temas como esse”.
Maioridade penal – Na tendência de endurecer a legislação criminal, a redução da maioridade penal também encontrou amplo apoio da população, mas divide os senadores.
Para Malta, qualquer cidadão que comete crime de natureza hedionda deve pagar pelo que fez, independentemente da idade. Ele destaca que apenas 7% dos entrevistados concordaram com a manutenção da maioridade penal em 18 anos, enquanto 20% acreditam que não deve haver idade mínima, 16% pedem a maioridade em 12 anos, 18% em 14 anos e 35% em 16 anos. “O sujeito de 18 anos já era homem aos 14 ou aos 12. Aos 14 ele já era capaz de estuprar e de matar”, diz.
Diferentemente de Malta, que não vê idade mínima para se pagar por crimes hediondos, Eunício Oliveira quer uma redução de dois anos. “Aos 16 anos o cidadão é um homem formado. Se pode votar e escolher seus representantes, também pode responder por crimes cometidos”.
Para Jorge Viana, deve haver tipificação específica para pessoas de 16 a 18 anos, em certos crimes, como assalto a mão armada e homicídio. Ele lembra que bandidos usam menores de idade para cometer crimes desse tipo. “Mas sou contra a redução da maioridade”, resumiu.
Lídice da Mata segue a mesma linha. Ela é contra a redução da maioridade, para evitar que os bandidos, “que hoje usam jovens de 16, 17 anos como soldados”, passem a usar pessoas ainda mais jovens para assumir seus crimes.
Discriminação – Embora não queira ainda fazer uma avaliação completa da pesquisa, o senador Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP) chama atenção para o ponto que trata da discriminação de estrangeiros e de pessoas oriundas de determinadas regiões do país. A criminalização desse tipo de atitude é defendida por 85% dos entrevistados pelo DataSenado.
Nesse mesmo quesito, 77% dos entrevistados se manifestaram favoráveis à criminalização da homofobia, embora haja mais controvérsia nesse ponto entre os senadores. “Qualquer forma de discriminação é condenável, seja de cor de pele, raça, credo, sexualidade, condição social, origem. Acredito que todo tipo de discriminação é passível de ser penalizada”, diz Eunício Oliveira.
Jorge Viana, por sua vez, vê a necessidade de a legislação proteger a diversidade. “O Brasil é o país da tolerância, da paz e da convivência religiosa. Qualquer tentativa de restringir as liberdades constitucionais tem de ser punida. O Brasil sabe conviver com as diversidades e com as opções pessoais”.
Até Magno Malta, opositor de projeto que criminaliza a homofobia (PLC 122/2006), mostra-se favorável à criminalização de ações com base em preconceito. Ele pondera apenas que não é preciso criar leis para atender grupos específicos. “Qualquer tipo de discriminação já é crime. Nem é preciso criar lei específica para os homossexuais, assim como não é preciso lei para proteger evangélicos ou espíritas. Toda raça, opção sexual, credo já estão amparados pela legislação atual”.
Imputabilidade de índios – Malta concorda ainda com a posição da maioria dos entrevistados em relação à imputabilidade dos índios – 80% disseram que eles devem responder pelos crimes que cometem. “O índio adulto não é inocente. Essa inimputabilidade não pode dar o direito de cometer crimes”, opinou Malta.
Agência Senado, 24/10/2012