A falta de preparo das autoridades policiais para identificar e combater o tráfico humano veio à tona na terceira audiência que Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Tráfico Nacional e Internacional de Pessoas do Senado, realizada nesta segunda-feira (10/12) em Manaus. Um delegado de Iranduba afirmou “não existir nenhuma vítima de tráfico humano em Iranduba”.
Na manhã desta segunda-feira (10/12), ao depor perante os senadores Paulo Davim (PV-RN), Lídice da Mata (PSB-BA) –relatora da matéria – e Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM) – presidente da Comissão, o delegado Elcy Barroso, locado no distrito de Iranduba, região metropolitana de Manaus, afirmou desconhecer qualquer caso ou suspeita de tráfico humano.
O delegado foi convidado para participar da audiência porque o jornal A Crítica noticiou que uma adolescente teria sido aliciada por uma pessoa que a convidou para vir trabalhar em Manaus. Com a promessa de conseguir melhores oportunidades do que na cidade de Iranduba, a adolescente teria aceitado o convite, mas ao chegar na capital foi forçada a trabalhar numa casa de encontros sexuais, de onde teria fugido posteriormente.
De acordo com o delegado, a vítima teria afirmado que não foi forçada a viajar para Manaus o que, na interpretação, dele não caracterizava o crime de tráfico humano. “Ela me disse que fugiu para casa de um namorado e que aceitava falar com a mãe, mas não queria conversa com o pai dela e negou as denúncias noticiadas pela imprensa de Manaus”, afirmou o delegado.
Indignado com a postura do delegado, o senador Paulo Davim lamentou o fato de ele minimizar o caso e de ter afirmado “não existir nenhuma vítima de tráfico humano em Iranduba”. “Me desculpe, mas o senhor está longe da realidade que o Brasil vive”, disparou o senador Davim.
De acordo com a relatora da CPI, Lídice da Mata, o crime de tráfico humano não se caracteriza pela prática da viagem forçada. As vítimas, geralmente são pessoas em situação social vulnerável que são aliciadas com promessas de melhores oportunidades. “Não cabe ao delegado julgar a vítima ou porque ela seria usuária de drogas ou porque ela já teria vida sexual ativa. Este depoimento mostra o total despreparo das autoridades policiais”, argumentou a senadora.
“Esse crime é real, invisível e de difícil diagnóstico porque existem muitas pessoas como o delegado Elcy que minimizam a situação de risco e de aliciamento das vítimas”, comentou a presidente da CPI, senadora Vanessa Grazziotin.
Rede de tráfico e exploração sexual de travestis – O segundo caso abordado pela audiência foi o da travesti Bruna Amaral, que foi aliciada por uma rede de exploração sexual de travestis que atua em São Paulo. Bruna contou que, por meio de uma travesti identificada como Marcinha, recebeu proposta para trabalhar em São Paulo. O segundo contato de Bruna com os criminosos foi feito por telefone. “Uma travesti chamada Eva me ligou e me prometeu emprego e cirurgias plásticas se eu fosse trabalhar em São Paulo. Ao chegar lá, percebi que tinha virado vítima de uma quadrilha”, disse Bruna durante o depoimento.
Bruna foi obrigada a fazer ponto numa rua em Jundiaí e depois conseguiu fugir para São Paulo. Ela não se encontra em nenhum programa de proteção a testemunhas e teme pela sua vida e de seus familiares.
Um grande legado que a CPI do Tráfico de Pessoas vai deixar são novas diretrizes para a legislação. Atualmente, o Código Penal deixa brechas para que os responsáveis não sejam condenados. Ao ouvir o depoimento do representante da Secretaria de Justiça do Amazonas, Cristiano Xíxaro, a senadora Vanessa aprovou a iniciativa do Estado em criar o Núcleo de Enfrentamento ao Tráfico Humano e os postos avançados de atendimento humanizado ao migrante.
“Fico satisfeita que o Amazonas está na vanguarda do enfrentamento deste crime. Somos o Estado com maior número de postos de enfrentamento ao tráfico e hoje eles estão presentes em cinco municípios do interior e em dois lugares estratégicos na capital: um na rodoviária e outro no porto da Ceasa”, afirmou Vanessa Grazziotin.
Fonte: A Crítica (Manaus)