A riqueza da obra literária de Jorge Amado, a proximidade de seus personagens com a alma do povo brasileiro, notadamente o baiano, e as idéias libertárias e o olhar sempre crítico do escritor em relação ao quadro político e social foram destacados nas homenagens a ele prestadas em sessão solene do Congresso, nesta segunda-feira (6/8), realizada para celebrar o centenário de seu nascimento. “Jorge Amado é a mais forte presença de escritor na vida brasileira, não só por sua obra literária inigualável, mas por sua capacidade de agir para construir o bem”, afirmou o presidente do Senado, José Sarney, que presidiu a sessão, realizada no Plenário da Casa.
Participaram, além de senadores e deputados, o governador a Bahia, Jaques Wagner, e integrantes de sua equipe, assim como representantes da área da cultura do governo federal. Pela família do escritor baiano, que faleceu exatamente há 11 anos, participaram o filho João JorgeAmado e o neto Bruno Amado.
Pelo Senado, a iniciativa da homenagem partiu dos senadores José Sarney (PMDB-AP) e Lídice da Mata (PSB-BA). Também assinaram o pedido de homenagem os outros dois senadores baianos, Walter Pinheiro (PT) e João Durval (PDT). Um segundo requerimento, pelo Congresso, foi proposto pelo senador Jarbas Vasconcelos (PMDB-PE) e o deputado Roberto Freire (PPS-SP).
Sarney lembrou os vínculos de amizade que o unia ao escritor baiano, nascido em 10 de agosto de 1912. Lembrou que Jorge Amado, no livro de memórias Navegação de Cabotagem, publicado quando chegou aos 80 anos, manifestou aversão à idéia de ser alvo de homenagens. O que desejava era apenas gozar em “liberdade e alegria” o resto de sua existência ao lado da mulher, a também escritora Zélia Gatai. “Não podemos, aqui no Congresso, obedecer completamente ao seu desejo. Mas pretendemos que nossa homenagem fale menos de glória e títulos do que do ser humano que amava a vida e do escritor que a criou no imenso universo de seus personagens”, disse Sarney.
Para Sarney, Jorge Amado incorporava a alma do povo brasileiro para dar vida a seus personagens. Destacou depoimento do próprio escritor a respeito disso, no qual Jorge Amado diz que sua criação romanesca “decorre da intimidade, da cumplicidade com o povo”. Como disse Sarney, ele se dizia um “obá, em linguagem iorubá, ministro, velho, sábio; sábio da sabedoria do povo”.
Lídice da Mata disse que a Bahia perdeu, com a morte de Jorge Amado, “seu maior escritor, aquele que mais a conhecia e amava”. Porém, ao contrário da previsão feita pelo próprio romancista, de que seria esquecido em pouco tempo, o que estava fadado a acontecer com os escritores, “num país sem memória”, sua vida e sua obra permanecem vivas, disse a senadora. “Estamos fazendo uma contestação a Jorge e mostrando que o País está mudando. Por isso, estamos hoje reunidos para defender sua memória e seus valores”, disse a senadora.
Lídice da Mata afirmou que o escritor refletiu em sua obra literária tudo o que sua sensibilidade lhe permitiu captar. Ainda na infância, a dura vida dos trabalhadores nas fazendas de cacau, a arrogância dos coronéis, a violência dos jagunços e a constante guerra pelo poder político. Jovem adulto, em Salvador, encontrou uma nova realidade urbana que levou a seus romances as figuras de pais e mães de santo, crianças de rua, prostitutas. “A Bahia que Jorge ajudou a construir no imaginário nacional e internacional foi essa gente marginalizada, a quem ele deu vez e voz em sua obra”, afirmou Lídice.
Na visão do senador Walter Pinheiro, Jorge Amado se destacou como um autor que “amava a verdade”. Além de universalizar os tipos baianos por meio de sua obra, assinalou o parlamentar, o escritor usou sua literatura para promover o debate de idéias fundamentais para a construção de “um caminho por mudanças sociais”. A literatura de Jorge Amado, disse o senador, foi engajada e promoveu benéfica reflexão sobre a temática social e racial. O senador lembrou afirmação de Jorge Amado: “Continuo firmemente pensando em modificar o mundo e acho que a literatura tem grande importância”.
O governador da Bahia, Jaques Wagner, mencionou a contribuição do escritor para a formação do conceito de “baianidade”, ao sintetizar em sua obra a idéia dos originários do estado como um “povo festeiro e alegre”. Ele lembrou que até hoje seus romances fazem refletir sobre os processos de desenvolvimento em que “poucos concentram a riqueza”.
Convicções políticas – Foi constante a referência à atuação política do escritor, que chegou a exercer mandato de deputado federal, eleito em 1945 pelo Partido Comunista, em breve período de atuação legal do partido. Como parlamentar, ele propôs a lei ainda vigente que assegura a liberdade de culto religioso.
Sarney ressaltou que “a visão do homem igual, fraternalmente unido ao próximo, foi uma constante da vida de Jorge”. Ele disse que Jorge Amado foi injustiçado quando se afastou da militância partidária ao descobrir que o caminho trilhado pela União Soviética havia sacrificado as liberdades. “O patrulhamento ideológico correu alto e forte a anunciar sua decadência como autor, sua submissão a uma literatura de vendas, e a crítica a encontrar defeitos em sua obra. Na verdade, Jorge continuou fiel a si mesmo, foi cada vez mais fiel ao povo brasileiro, e este se reconheceu em sua obra”, disse Sarney.
Além de apontar Jorge Amado com um seguidor do sociólogo Gilberto Freire no reconhecimento de que a mestiçagem forma um traço constitutivo e positivo da formação étnico-cultural brasileira, o filho João Jorge corroborou a idéia de que o escritor nunca se afastou de suas convicções políticas fundamentais. Disse ter tido a oportunidade de ouvir do pai que os desvios e o esfacelamento da União Soviética não seriam o fim do socialismo, “o destino da humanidade”.
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