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Lídice da Mata

 

As redes sociais, em especial as páginas feministas, comemoraram no início desta semana, mais precisamente na segunda-feira (22/11), a sanção da lei que teve origem no PL 5096/2020, também conhecida como Lei Mariana Ferrer, que proíbe que vítimas de crimes sexuais e testemunhas sejam constrangidas durante audiências e julgamentos. A nova legislação, formulada na Câmara dos Deputados e aprovada nas duas casas do Congresso Nacional, foi criada exatamente por conta do que aconteceu com a influenciadora digital que empresta o nome à nova legislação.

 

Humilhada pelo advogado de defesa do seu algoz, a jovem passou por extremo constrangimento e teve sua reputação atacada por diversas vezes durante fatídica audiência na 3ª Vara Criminal de Florianópolis, que ocorreu de forma remota no ano passado. Não bastasse o sofrimento físico e emocional, por conta do trauma sofrido e do espetáculo de horror protagonizado pelo advogado do réu do processo em que era a vítima, Mariana Ferrer teve ainda sua vida invadida por uma turba de assassinos de biografias.

 

Embora estejamos no século 21, a selvageria e o primitivismo da masculinidade tóxica que nos permeia parecem ser de 200, 300 anos atrás, quando a mulher permanece subjugada e exposta a todo tipo de situação que vai do constrangimento até mesmo à violência física e ao assassinato (diga-se, feminicídio).  

 

As situações de crimes e atentados à dignidade sexual, por muitas vezes, são levadas ao absurdo lugar comum da justificativa – para seu cometimento – sobretudo o estupro que, aos olhos de alguns homens, parece ser permitido, uma vez que eles sempre os justificam nos culpando e classificando nossas roupas como inadequadas.

 

Quantas vezes ouvimos questionamentos do tipo: “O que ela queria bebendo na festa?”. Ou até mesmo: “Também, com aquela roupa!…”.

 

No caso de Mariana, o advogado, Claudio Gastão Filho, foi além no desrespeito, ao querer desqualificar a honra da vítima. Disse que a influenciadora postava fotos em posições ginecológicas em suas redes sociais, o que é um absurdo.

 

Tal comportamento motivou uma onda de desinformação acerca do caso, que culminou numa chuva de ataques à dignidade da vítima em suas redes sociais e, principalmente, na revoltante absolvição do réu na primeira instância, na 3ª Vara Criminal de Florianópolis, em setembro de 2020, decisão ratificada na Primeira Câmara do Tribunal de Justiça de Santa Catarina agora em 2021. Mariana recorreu às instâncias superiores, o que renova nossa esperança para que se faça realmente justiça.

 

Foi justamente em cima deste absurdo que fundamentamos o texto do nosso Projeto de Lei 5096/2020, que contou com apoio de outros 25 parlamentares, e que foi sancionado esta semana pelo Presidente da República na forma de lei. A partir de agora, fica vedada a manifestação sobre fatos relativos à pessoa denunciante que não constem dos autos e o uso de linguagem, informações ou material ofensivos à dignidade dela ou de testemunhas.

 

A Lei Mariana Ferrer também eleva a pena para o crime de coação no curso do processo. Essa tipificação – definida como o uso de violência ou grave ameaça contra os envolvidos em processo judicial para favorecer interesse próprio ou alheio – recebe punição de um a quatro anos de reclusão, além de multa. Com a nova lei, a pena será acrescida de um terço em casos de crimes sexuais.

 

Esta foi uma resposta “maiúscula” do Brasil e do Congresso Nacional a uma luta e à necessidade de apoio e defesa das mulheres vítimas de violência no Brasil. Por falar nisso, os números são estarrecedores: em 2020, segundo dados do Anuário da Violência, foram registrados mais de 60 mil casos de violência sexual no Brasil. A triste estatística aponta que há mais de 160 estupros por dia em todas as regiões do País, sendo mulheres, crianças e adolescentes a maioria absoluta das vítimas.

 

Para combater isso, é preciso que avancemos ainda mais com criação e funcionamento de varas e promotorias especializadas em casos de violência contra as mulheres, como bem observou a advogada Luiza Nagib Eluf, em artigo publicado na web. E para isso se concretizar, apelamos à sensibilidade do Judiciário e dos Ministérios Públicos.

 

Não vão nos calar. Nós, mulheres, mostramos que somos fortes e que não aceitaremos mais essa imposição comportamental dos séculos 17 e 18. Estamos cada vez mais unidas e mobilizadas em torno dos nossos direitos e do cumprimento deles. Machistas, não passarão!

Artigo originalmente publicado no site https://congressoemfoco.uol.com.br em 28/11/2021.

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