Apesar do avanço da lei, os números do tráfico humano são assustadores e contraditórios,
principalmente devido à subnotificação, ou seja, ausência de registros.
Daí a importância da denúncia, para que mais casos possam ser investigados e solucionados” (Lídice da Mata)
Há um ano, em 6 de outubro, foi sancionada a Lei 13.344/2016 que trata da prevenção e repressão ao tráfico de pessoas e estabelece medidas de atenção às vítimas. Este novo marco legal foi resultado do Projeto de Lei do Senado – PLS 479/2012, que ratificou acordo internacional e teve origem nos trabalhos da Comissão Parlamentar de Inquérito do Senado que investigou o tráfico nacional e internacional de pessoas, da qual fui a relatora, com presidência da senadora Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM).
O texto da nova lei ampliou a tipificação do crime de tráfico humano que, antes, limitava-se a ser definido como aquele envolvendo o tráfico de mulheres para exploração sexual ou o tráfico de crianças. A partir da CPI, o tráfico humano também passou a abranger casos para fins de trabalhos forçados ou escravo e transplantes de órgãos. A nova lei também ampliou a pena de quatro para oito anos de prisão, além de aplicação de multa, e passou a prever oferta de seguro-desemprego às vítimas do tráfico submetidas a condição análoga à de escravo ou à exploração sexual.
A aprovação do projeto e sua respectiva transformação em norma jurídica representou a adaptação da lei brasileira ao Protocolo Adicional à Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional Relativo à Prevenção, Repressão e Punição do Tráfico de Pessoas (Protocolo de Palermo), do qual o Brasil é signatário.
Apesar do avanço da lei, os números do tráfico humano são assustadores e contraditórios, principalmente devido à subnotificação, ou seja, ausência de registros. Daí a importância da denúncia, para que mais casos possam ser investigados e solucionados.
Um dos relatórios mais recentes, divulgado pela Secretaria de Política para Mulheres (SPM) do Ministério da Justiça e Segurança Pública, aponta a predominância de vítimas mulheres neste tipo de crime. Em 488 casos de tráfico humano com finalidade de exploração sexual registrados pelo Serviço Ligue 180 entre 2014 e 2016, 317 vítimas eram mulheres. Já entre as 257 denúncias de trabalho escravo, 123 casos envolveram mulheres. Crianças e adolescentes também são vítimas potenciais e somaram 216 traficados entre 0 a 17 anos, de um total de 413 denúncias.
Em termos mundiais, a cada três vítimas de tráfico humano, uma é criança, e 70% dos casos envolvem mulheres e meninas. As estimativas globais diferem de acordo com a finalidade do tráfico, chegando a cerca de 21 milhões de vítimas em todo o mundo para os diversos fins, de acordo com o Parlamento Europeu. Já a ONU identificou mais de 2 milhões de vítimas por ano e alerta que a globalização, com seu fluxo intensificado de pessoas, capital e informação, cria riscos e abre espaços para o crime organizado transnacional. Em seminário realizado em setembro, no Rio de Janeiro, representante da ONU afirmou que períodos de crise econômica com desemprego e cortes nos gastos públicos aumentam o risco de tráfico de pessoas.
Somente num período de dois anos – entre 2012 a 2014 –, o Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC) registrou 63,2 mil vítimas de tráfico de pessoas em 106 países e a última estatística, divulgada em março deste ano, reforça o dado de que as mulheres formam o maior contingente de pessoas traficadas desde que a agência da ONU iniciou a coleta de dados sobre esse crime, em 2003. No entanto, essa participação caiu de 84% em 2004 para 71% em 2014, enquanto aumentou o número de homens traficados para fins de trabalhos forçados.
Uma observação importante: neste relatório, o Escritório da ONU apontou que as autoridades brasileiras registraram 2.659 casos de tráfico humano no País em 2013, número menor do que o registrado em 2012, de 3.727 casos. Durante 12 anos, a UNODC vem catalogando ocorrências de tráfico humano e chegou ao número estarrecedor de 200 mil vítimas.
De acordo com a Organização Internacional do Trabalho (OIT), o tráfico humano movimenta US$ 32 bilhões em todo o mundo, sem contar o trabalho escravo que envolveria outros US$ 150 bilhões para os criminosos.
No final de setembro, a ONU lançou a Declaração Política sobre a Implementação do Plano de Ação Global para Combater o Tráfico de Pessoas, iniciativa que tem por objetivo reforçar ações tanto de prevenção a este crime, como de proteção às vítimas e de criminalização dos traficantes por todos os estados membros.
A Lei 13.344/2016 obriga a efetivação de campanhas socioeducativas e de conscientização, com mobilização de todos os níveis de governo e participação da sociedade civil, mas ações efetivas ainda são poucas. Governos federal, estaduais e municipais precisam intensificar o combate às organizações criminosas que buscam escravizar seres humanos, principalmente mulheres e crianças, e estar alerta para o crescimento do número de casos de tráfico humano envolvendo pessoas LGBTs.
Como parlamentar, tenho a convicção de ter contribuído para o aprimoramento da lei. Porém, as campanhas não podem cessar. Ao contrário: têm que ser permanentes e constantes. Elas ajudam a orientar a população a denunciar e, com mais casos notificados, as autoridades competentes terão maiores chances de investigar os casos de tráfico humano – seja para qual finalidade –, chegar aos culpados e puni-los, com o rigor que a nova lei determina.
Artigo originalmente publicado no site Congresso em Foco e reproduzido também pelo site Boa Informação.